Nas eleições para o Senado, em 1974, eu assisti sem saber o que era, mas hoje sei, o MEU primeiro grande movimento do voto útil pela democracia no Brasil. Tinha 17 anos incompletos, não podia votar ainda, e assiste de camarote a disputa de Orestes Quercia e Carvalho Pinto pelo Senado, por São Paulo.
Era ainda um momento cinzento da ditadura militar com Geisel e seus malacos, tempo de governador e senador biônico, aqueles que eram prepostos do governo federal para fazer suas vontades nesses níveis e combater os "terroristas da liberdade". Era o tempo da frase: "Onde a Arena vai mal, mais um time no Nacional. Onde vai bem, mais um time também". O futebol sempre ajudou a distrair o povo desinformado. Era Arena x MDB, os únicos partidos oficiais permitidos pelo regime. Arena era da situação e o MDB tentava ser oposição quando podia.
Não se votava para governador ou presidente da República. Houve uma votação estrondosa em Quercia como senador, em São Paulo, numa espécie de resposta aos donos do poder. Foram mais de 4 milhões e 630 mil votos (73,19%) contra pouco mais de 1 milhão e 696 mil de Carvalho Pinto (26,81%). Quercia era a bandeira da Oposição. Tinha sido prefeito de Campinas, mas não era tão conhecido assim em todo o Estado. Foi eleito porque era MDB contra Arena. Foi o voto útil pela Democracia contra a Ditadura.
Meu falecido pai era admirador de Carvalho Pinto e dizia: "Voto em Carvalho Pinto porque ele é honesto e trabalhador". Mas não conseguiu convencer ninguém da família. Era hora de protestar e mostrar que queriam mudanças. O tempo passou e a história provou que Carvalho Pinto era o mais honesto mesmo. Já Quercia teve que explicar muita coisa até o fim da vida.
Segundo o jornalista Elio Gaspari, que dispensa apresentação, Quercia foi o primeiro político bilionário do Brasil tendo deixado para seus herdeiros um patrimônio de 1 bilhão e meio de reais. Nada mal para quem era um humilde entregador de leite e vendedor de doces na estação de trem de Pedregulho, sua cidade natal. Hoje tem muitos políticos ricos. São empreendedores vitoriosos na profissão. É muita competência mesmo.
O voto útil é isso. Você usa o que tem no momento para alterar o quadro. Às vezes até o chamado "mal necessário", o menos pior. Quercia era o que tinha para aquele momento para confrontar um estado de coisas degradantes que ocorriam no país. Era a opção para a liberdade. Não era o céu, mas era pelo menos o Purgartório. Melhor que o inferno, não é? VADE RETRO, SANTANÁS
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