“Pai, posso descer pra brincar no play?”
A pergunta do meu filho, tão corriqueira, me despertou certa vez para uma sensação antiga e que há muito, mas muito tempo não sentia: a saudade do meu quintal. Sim, meus amigos, fui um dos afortunados que, em sua infância, teve um deles para brincar. Ficava no fundo de uma casa cor-de-rosa, com portão e janelas marrons, no número 661 da Avenida Vautier, bem no coração do bairro do Pari, Zona Norte de São Paulo/SP.
Não era um enorme quintal, aliás nem de longe. Era pequeno, em parte invadido pelo telhado do vizinho e, confesso, meio inclinado para a esquerda. Mas era meu, todinho meu, e foi nele que aos 4 anos de idade dei meus primeiros chutes “profissionais” numa bola de futebol. Chutes que, por sinal, eram quase sempre tão tortos quanto a inclinação do terreno.
Lembro-me de ser, simultaneamente, goleiro e atacante. Com a bola “Drible” de plástico nos pés, chutava em direção à parede de frente que, rápida e mortal, me devolvia na mesma intensidade. Então, cada vez que eu conseguia impedir que a bola batesse na parede às minhas costas, a vizinhança era premiada com um sonoro grito: “Defendeu, Leão!!!”. Isso mesmo: em minha fértil imaginação, cada gol do adversário que eu evitava transformava-me no então e inesquecível goleiro do Palmeiras.
Mas eu disse que era também atacante. Isso acontecia após os 10 chutes que o oponente palmeirense (ou seja, a parede), geralmente batizada de Corinthians, dava em direção à meta (ou seja, a outra parede) defendida por Leão (ou seja, eu). Aí, era a vez de o Palmeiras chutar e eu me transformar no goleiro “deles”. Desta forma, fui muitas vezes Ado, Sérgio ou Tobias. Só que, quando “incorporado” pelo camisa 1 corintiano, meu rendimento caía muito e nem de longe lembrava os milagres operados por Leão. Ganha um doce quem adivinhar por quê.
O fato é que o meu quintal era o meu mundo. Nele, mandava e desmandava, marcava golaços e fazia defesas fantásticas, e só tinha minha hegemonia arranhada quando minha mãe, quase maluca pelos gritos que dava ou pelas boladas que a máquina de lavar, recém-chegada, levava por causa dos meus tortos pés, invadia o meu “gramado” e, aos puxões de orelha, me obrigava a entrar. Mas, tudo bem: geralmente já estava na hora de assistir à Vila Sésamo.
Hoje, assim como filho fez no passado, muitas crianças pedem aos pais para brincarem no play, que aliás são, todos eles, muito mais bonitos e equipados do que era o meu quintal. Porém, mesmo sabendo que em alguns desses play’s existem gamados sintéticos, novos brinquedos que os Condomínios não se cansam de comprar e enormes espaços para a correria da criançada, ainda assim sinto saudades do meu velho e inclinado quintal. E chego à conclusão de que, assim como meu filho foi um dia, muitas crianças são felizes hoje em seu play, talvez seja porque nunca conheceram o meu play.
Afinal, cada um tem o quintal que Deus lhe reservou.
Márcio Trevisan é jornalista esportivo há 34 anos. Escritor com cinco livros publicados, começou no extinto jornal A Gazeta Esportiva, onde atuou por 12 anos. Editou várias revistas, esteve à frente de vários sites, fez parte de mesas redondas na TV e foi assessor de Imprensa da S. E. Palmeiras e do SAFESP. Há 17 anos iniciou suas atividades como Apresentador, Mestre de Cerimônias e Celebrante, tendo mais de 450 eventos em seu currículo. Hoje, mantém os sites www.senhorpalmeiras.com.br e www.marciotrevisan.com.br. Contatos diretos com o colunista podem ser feitos pelo endereço eletrônico apresentador@marciotrevisan.com.br
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