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UM GOL PARA ELE


Todo garoto que se preza sonha ser jogador de futebol.

Pelo menos na época em que eu fui garoto era assim. Hoje em dia, talvez as preferências recaiam para outros campos que não os gramados, não sei... Mas o fato é que eu, claro, não fugi à regra, e nos meus tempos de meninice tinha definido na ponta da língua todo o futuro que aguardava: jogaria no Palmeiras.

Não joguei, mas esta é uma outra história. Só que, pelo menos, me preparei bastante para tanto. Joguei bola todo dia - de manhã na escola, à tarde e à noite na rua – e, quando possível, consegui que algumas vizinhas com as tarefas domésticas já terminadas ficassem na torcida. Mas, como sempre acontecia, rapidamente as atenções se voltavam para as conversas e, também, para os mexericos pertinentes àquelas simpáticas senhoras.

Assim é que, gradativamente, fui alimentando um sonho: um dia meu pai me veria jogar. Não seria, contudo, uma tarefa das mais fáceis. Embora fanático por futebol, ele dividia seu tempo entre o trabalho, durante todo o dia, e as novelas, assim que as primeiras estrelas apareciam no céu. E não tinha um que conseguisse tirar o cara da frente do TV. Ele só se dava por vencido quando as pálpebras, pesadas devido ao cansaço, impediam que seus olhos continuassem fixos na brilhante tela em preto e branco.

Restavam-me os fins de semana, mas nem neles eu conseguia meu objetivo: aos sábados, a agenda previa feira livre pela manhã e uma irresistível soneca à tarde; aos domingos, a missa tomava boa parte do tempo e, depois da macarronada (como manda a tradição italiana), chegava a hora de outra dormidinha, seguida do Programa Sílvio Santos. Assim, meu sonho de mostrar meu talento ao meu pai ficava cada dia mais difícil, o que era algo frustrante àquele menino de 8 anos.

Eu já desistia quando, como que por encanto, ele certo dia me perguntou:

- Amanhã você vai jogar bola?

- Vou, respondi.

- Então eu vou querer ver.

Quase não acreditei. Seria mesmo verdade? Olhei na folhinha e não era 1º de abril. Exultei. Então chegara o momento tão sonhado. Aliás, na mesma folhinha percebi que, no dia seguinte, seria feriado. Daí a disponibilidade do meu pai – a quem sempre chamei de “Negão”: sem nada muito interessante para fazer no outro dia, resolveu conferir ao vivo e em cores aquele que ele, ingenuamente, ainda apostava que viria a ser o "Pelé branco".

Foi difícil pegar no sono aquela noite e mais difícil ainda esperar pela hora do jogo. Lembro-me de que estava um calor daqueles, tinha um Sol para cada um dos oito moleques que se dividiram em dois times a correr pela terra batida do disforme campinho. Meu pai, único presente ao clássico, conseguiu arrumar um cantinho parcialmente coberto pela copa de uma pequena árvore e, do jeito que pôde, abrigou sua então já vastíssima careca dos raios solares.

Bola rolando e jogo duro...de assistir. Devido ao calor e ao tamanho desproporcional do campo, grande demais para garotos de menos, o ritmo da partida foi lento. Até que, de repente, veio uma bola cruzada da esquerda, à meia altura. Pensei rápido, como aliás fazem os verdadeiros artilheiros: vou pegar de primeira, de sem-pulo, e fazer um golaço. A intenção foi boa, a execução nem tanto: na hora do chute, errei o tempo da bola e furei bisonhamente. Para minha sorte, porém, ela bateu em meu joelho direito e enganou o goleiro. Acabei fazendo, mesmo sem querer, um lindo gol.

Nem dá para descrever o quanto brilharam os meus olhos de menino. Tirei a camisa do Palmeiras e a levantei o mais alto que pude. Livrei-me dos abraços dos companheiros porque, naquela hora, só tinha braços para o meu pai que, claro, estaria pulando de alegria no seu esconderijo solar. Fui até ele esperando uma festa daquelas, mas para minha decepção, ele não vira o gol que eu fizera. Aliás, sequer sabia que havia sido gol, pois estava tentando se livrar de um incômodo mosquito que insistia em lhe roubar o lugar, verdadeiro oásis num deserto abafado.

Mesmo assim, arrisquei:

- Pai, você viu meu gol, você viu?, perguntei.

- Claro, claro. E foi um golaço!, respondeu.

Ele fez de conta que havia visto o meu gol, e eu fiz de conta que acreditei. Não escondo que, para um menino de 8 anos, aquela foi uma grande mágoa. Esperei tanto para jogar para ele, fiz até um gol para ele, e ele não viu. Depois, claro, relevei. Afinal, o que é uma ausência na hora de um gol se comparada a tantos momentos de presença que ele, até minutos antes de sua passagem, em 2018 e já aos 90 anos, jamais se furtou em me dar?

No próximo domingo, 13, será comemorado do Dia dos Pais. Por isso, Negão, o meu presente é aquele gol que há quase 50 anos eu fiz sem querer e que você nem viu, tá?

­­­­­­­­­Márcio Trevisan é jornalista esportivo há 34 anos. Escritor com cinco livros publicados, começou no extinto jornal A Gazeta Esportiva, onde atuou por 12 anos. Editou várias revistas, esteve à frente de vários sites, fez parte de mesas redondas na TV e foi assessor de Imprensa da S. E. Palmeiras e do SAFESP. Há 17 anos iniciou suas atividades como Apresentador, Mestre de Cerimônias e Celebrante, tendo mais de 450 eventos em seu currículo. Hoje, mantém os sites www.senhorpalmeiras.com.br e www.marciotrevisan.com.br. Contatos diretos com o colunista podem ser feitos pelo endereço eletrônico apresentador@marciotrevisan.com.br.



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